Oratório
Número de registro
4
Descrição
Oratório em madeira pintada de forma trapezoidal. Frontão decorado com feixes de plumas, em talha cheia e vazada nas cores vermelho e dourado. Partes laterais e dianteiras pintadas nas cores azul e prateado, decoradas em talha cheia, com motivos fitomorfos, volutas, colunas estriadas e torcidas, rosáceas concheadas. Tanto as partes laterais quanto a dianteira são divididas em várias prateleiras fechadas por vidro transparente, totalizando 18 compartimentos contendo em seu interior 64 pequenas imagens de pedra sabão, arranjos florais em papel e alguns vegetais. A parte central apresenta grande crucifixo com cruz em madeira, tendo ao alto a inscrição "IRNI", e a parte inferior apresenta um presépio. Tudo isto sobre quatro pés decorados em talha cheia com volutas e motivos fitomorfos, terminando em volutas voltadas para dentro.
Trabalho de santeiros de Minas. Representa cenas da vida de Cristo desde a Natividade até a Paixão. No compartimento maior, central, a Crucificação de Cristo, e na parte inferior, também central, seu nascimento.
Descrição de Daniel Forain (2022, p. 104 e 105):
"Possui quatro pavimentos frontais: no primeiro, a cena do presépio (quatro pastores, os três reis magos, três anjos, o menino Jesus na manjedoura, Nossa Senhora, São José, e, supostamente, a imagem de uma das parteiras de Jesus [Salomé ou Zelemi] – tradição apócrifa, curiosamente, presente em alguns oratórios lapinha –, um boi, um burrico e três ovelhas); no segundo, três nichos do Evangelho de São Lucas (a Sagrada Família – contendo a representação de São José de Botas, que é uma iconografia da Fuga para o Egito, muito popular no período colonial em Minas Gerais, Jesus suando sangue no Jardim de Getsêmani com um anjo que carrega um cálice, Jesus carregando a própria cruz – não está visível porque se quebrou e foi colocada atrás da imagem); no terceiro, a cena do Calvário segundo o Evangelho de São João (Cristo Crucificado, Nossa Senhora, São João Evangelista, Maria Madalena, Maria de Cléofas, Maria Salomé, Nicodemus e José de Arimateia); e, finalmente, no pavimento superior, a Ascensão de Cristo, a Santíssima Trindade e a Ressurreição de Cristo.
Na face direita do oratório, vê-se uma sequência do Evangelho de São Mateus: o Chamado de Mateus (Jesus e São Mateus) – interessante observar que aparentemente uma das imagens seria de Judas com um saco de dinheiro, mas diante da presença do resplendor, que é próprio dos santos, verifica-se que é o evangelista –, Jesus com Caifás e o Ancião; Jesus com Pilatos e dois soldados; Jesus morto e dois guardas; e a aparição de Jesus ressurreto para os apóstolos.
Na face esquerda, vê-se uma sequência do Evangelho de São Lucas: a Anunciação (Nossa Senhora e um anjo); a Visitação (Nossa Senhora e Santa Isabel); a natividade de São João Batista (Santa Isabel com São João Batista no colo e uma
raríssima imagem de São Zacarias); a Natividade (a cena do presépio do nicho inferior se repete, simplificada pela presença apenas das imagens da Virgem Maria, de São José, de um boi e de um burrico); e o Batismo de Jesus (com o próprio Jesus e São João Batista)."
Denominação
Oratório
Técnica
douramento | entalhe | escultura | marcenaria | pintura
Material
madeira | papel | pedra sabão | vidro
Forma de aquisição
Fonte de aquisição
Francisco Marques dos Santos (Marques dos Santos Antiquário)
Referência de aquisição
Processo 7/1938
Local de produção
Classe
Data de produção
[1775/1800]
Termos de indexação
ARTE MINEIRA | ARTE RELIGIOSA | ARTE SACRA | BRASIL COLÔNIA | CATOLICISMO | CONTRARREFORMA | ESCULTURA RELIGIOSA | ESTILO D. JOSÉ | IGREJA CATÓLICA | MINAS GERAIS | MOBILIÁRIO | PEDRA SABÃO | PRESÉPIO | RELIGIÃO CATÓLICA | ROCOCÓ | SAGRADA FAMÍLIA | SÃO JOÃO DEL REY
Altura (cm)
167,00
Largura (cm)
79,00
Comprimento (cm)
39,00
Observações
De acordo com o historiador da arte Daniel Forain (2022), os oratórios eram peças de mobiliário doméstico muito populares nos lares humildes e também abastados do período colonial brasileiro. Eles aportam no Brasil com o espírito contrarreformista, cuja abundância de imagens e objetos religiosos cumpria a função de impregnar o cotidiano dos fiéis. Os oratórios eram o centro agregador das famílias, e denotavam a relação íntima do fiel com os códigos imagéticos da Igreja Católica, assim como desempenhavam função decorativa nas casas, simbolizando o poder e o status social de seus proprietários.
Os oratórios tipo lapinha fazem referência à gruta da Natividade de Jesus Cristo, e derivam das maquinetas portuguesas (tipo de oratório doméstico), sendo idealizados em Minas Gerais, na segunda metade do século XVIII, conforme diretrizes artísticas do mobiliário rococó estilo luso-brasileiro D. José I, por sua vez influenciado pelos estilos Luís XV e Chippendale.
Segundo Forain (2022), esta peça é uma encomenda criteriosa e exclusiva, possivelmente fruto da oficina de São João del-Rey/MG, cuja talha era mais elaborada, sobressaindo-se pela coluna torsa, a profusão decorativa e o maior espaçamento interno com a configuração triface, comparada à tradicional oficina de oratórios do tipo lapinha de Santa Luzia/MG. Forain destaca, ainda, que as oficinas de oratórios adaptaram modelos europeus às condições locais, e, portanto, dizem muito da relação entre artífices e escolas, entre mestres e aprendizes e das eventuais influências africanas e nativas sobre suas produções.
Nesta peça do MHN, o valor decorativo suplanta o devocional, e ela provavelmente era destinada à sala principal da residência para exposição às visitas e distinção social de seu possuidor. A peça é um exemplar único dentre as coleções expostas no Brasil e rara pela grande quantidade de imagens em pedra-sabão, pelos conjuntos escultóricos que representam cenas bíblicas (incomum nos oratórios lapinha) e pelo formato de dezoito nichos (em geral, tinham dois pavimentos).
Transcrição de trecho da obra "Antiguidades brasileiras", de Paulo Affonso de Carvalho Machado (1965): "Os nichos de pedra-sabão: os pequenos oratórios D. João V, conhecidos com a denominação de nicho de pedra-sabão, eram fabricados na velha cidade mineira de Santa Luzia do Rio das Velhas, no final do século XVIII e começo do século XIX. De aspecto singelo, esses nichos, esculpidos em cedro, recebiam uma decoração policromada variadíssima; vamos encontrá-los pintados com flores, cartelas coloridas pintadas de azul, vermelho e de um inconfundível cor de rosa, recebendo uma douração parcial em folha de prata ou ouro. Esses nichos apresentam-se numa diversidade de tamanhos, desde o menor que guarda apenas uma pequena imagem, aos de maior tamanho, onde dezenas de imagens ficam arrumadas, tendo-se a impressão de um verdadeiro altar. Alguns nichos, divididos em duas partes, têm na sua parte inferior um presépio, onde além da Sagrada Família vamos encontrar os reis magos, pastores, carneiros, bois e pequenos pássaros. No fundo do presépio, como se estivéssemos vendo o telão de um teatro, deparamos com um verdadeiro cenário, pregado ao fundo: folhas secas, flores de papel dourado, flores feitas de conchas e pequenos montes de "capim-cheiroso". Quanto às imagens, vemos santos de devoção mineira: Nossa Senhora da Conceição, Santo Antônio, Santa Bárbara, São Joaquim, Nossa Senhora do Carmo, São Sebastião, Sant'Ana e o muito curioso São José de Botas, devoção interessantíssima, considerada por alguns como uma homenagem dos santeiros brasileiros, ou melhor, dos mineiros, aos que, usando em suas viagens botas de cano longo, receberam a denominação de emboabas, alcunha dada pelos descendentes dos bandeirantes paulistas. Os resplendores e coroas que guarnecem as pequeninas imagens são de ouro, prata e, às vezes, de latão. Como é sabido, a pedra-sabão é muito macia e fácil de ser trabalhada: porosa, absorve rapidamente a gordura das lamparinas e das candeias de uso constante nas antigas residências mineiras; daí encontrarmos santos de pedra-sabão escurecidos pela fuligem desse tipo de iluminação. Não podendo ser limpos, dada a porosidade da pedra-sabão, esses pequeninos santos não devem ser lavados com água ou qualquer tipo de ácido, pois as manchas não poderão ser removidas. O material usado na feitura dessas imagens foi o mesmo utilizado por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho".
Referências expográficas
Exposição "Arte cristã no Museu Histórico Nacional", comemorativa do 55° aniversário de sua criação (1922-1977). | Exposição de longa duração do MHN "Portugueses no mundo" | MACHADO, Paulo Affonso de Carvalho. "Antiguidades Brasileiras". Rio de Janeiro: José Álvaro Editor, 1965.
Referências bibliográficas
BARROSO, Gustavo Dodt. A arte cristã no Museu Histórico. In: "Anais do MHN", v. 4, 1943, p. 5-98 | BARROSO, Gustavo. Oratórios coloniais. Anais MHN, v. II, 1941 | BRANCO, Maria Alice H. Castello. "Oratórios em estilo D. José I...". Dissertação de Mestrado em História e Crítica de Arte, Escola de Belas Artes, UFRJ. Rio de Janeiro, 2008. | Catálogo da exposição "Arte cristã no Museu Histórico Nacional", comemorativa do 55° aniversário de sua criação (1922-1977). N.º 140 | COELHO, Beatriz (org.). "Devoção e arte: Imaginária religiosa em Minas Gerais". São Paulo: Edusp, 2005 | FORAIN, Daniel Iadanza. Oratório Lapinha. In: "Histórias do Brasil: 100 objetos do Museu Histórico Nacional (1922-2022)". Rio de Janeiro: MHN, 2022. p. 102-105. | RODRIGUES, Lucas. "As formas do perene: os oratórios domésticos devocionais em Minas Gerais e seus antecedentes europeus...". Dissertação de Mestrado em História, UFSJ. São João del-Rei, 2020. | RUSSO, Silveli Maria de Toledo. "Espaço doméstico devoção e arte...". Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, USP. São Paulo, 2010.
Autoria das fotos
Jaime Acioli